A crença popular rege que comissões trazem mais vendas, mas você já parou para pensar que se o comportamento humano fosse tão simples assim, todos os vendedores seriam milionários? Vamos refletir de forma mais profunda sobre este assunto, usando as mais incríveis evidências científicas?
1. Em um experimento clássico, os cientistas Dan Ariely (Duke University) e Nina Mazar (Boston University) separaram participantes em três grupos, para realizar nove tarefas diferentes. Ariely e Mazar ofereceram os seguintes incentivos financeiros para cada grupo, caso eles tivessem excelente desempenho:
GRUPO 1: Um dia e meio de salário
GRUPO 2: Duas semanas de salário
GRUPO 3: Cinco meses de salário
Se você for usar a crença popular para prever qual dos grupos teve melhor performance, qual deles seria? Imagino que sua sugestão seria o Grupo 3. Mas este NÃO foi o grupo com o melhor desempenho.
Nina Mazar, uma das cientistas envolvidas no estudo de incentivos financeiros, com Luiz Gaziri, na Boston University em 2018.
O percentual de pessoas que atingiu excelente desempenho nas tarefas foi o seguinte:
GRUPO 1: 25,58%
GRUPO 2: 22,21%
GRUPO 3: 6,3%
Os cientistas descobriram que a diferença entre as performances dos Grupos 1 e 2 NÃO FORAM estatisticamente significativas, o que significa que a possibilidade do Grupo 2 em ganhar 10 VEZES MAIS do que o Grupo 1, não gerou ganho algum no desempenho dos participantes. Mas a descoberta mais impactante deste estudo foi a de que a possibilidade de ganhar incentivos 100 vezes maiores fez com que o número de participantes com alto desempenho no Grupo 3 fosse QUATRO VEZES MENOR do que no Grupo 1.
O que explica estes resultados?
2. Existe uma confusão grande na cabeça das pessoas sobre o que é MOTIVAÇÃO, e o que é PERFORMANCE. Motivação é aquilo que nos faz agir. Performance é o resultado que temos enquanto estamos agindo.
ALTA MOTIVAÇÃO NÃO SIGNIFICA ALTA PERFORMANCE!
Em 1908, os cientistas Robert Yerkes e John Dodson descobriram que a MOTIVAÇÃO E A PERFORMANCE crescem juntas até um certo ponto. Após o “ponto ótimo” de motivação, acréscimos motivacionais geram PIOR desempenho, pelo fato das pessoas ficarem muito ansiosas e fantasiarem sobre o que farão com o dinheiro, as distraindo da execução da tarefa.
Curva de Yerkes-Dodson e a demonstração da relação entre motivação e performance.
Então isso significa que DINHEIRO NÃO MOTIVA? NÃO! O problema de incentivos financeiros, como comissões, é que eles motivam DEMAIS, levando as pessoas a um pior desempenho no trabalho.Mas o salário do vendedor depende apenas do ESFORÇO QUE ELE DESEMPENHA, certo? O vendedor é quem CONSTRÓI SEU PRÓPRIO SALÁRIO, não é mesmo? Que tal analisarmos estas crenças populares com mais um estudo?
3. O cientista Uri Gneezy da Universidade da Califórnia, acompanhou crianças que deveriam coletar doações de porta em porta para uma causa social, nas seguintes condições.
GRUPO 1: Recebia uma palestra sobre a importância de seu trabalho
GRUPO 2: Recebia a palestra mais a promessa de que ganhariam 1% de tudo o que arrecadassem
GRUPOS 3: Recebia a palestra mais a promessa de que ganhariam 10% de tudo o que arrecadassem
Na sua opinião, qual dos grupos teve melhor desempenho? Para facilitar seu julgamento, gostaria de te informar que as crianças foram acompanhadas em um tradicional Dia de Doação, comum em Israel. Neste dia, a população fica esperando as crianças irem até suas casas, ou seja, as crianças NÃO PRECISAM VENDER NADA, QUANTO MAIS CASAS ELAS VISITAREM, MAIS DINHEIRO ELAS IRÃO ARRECADAR. Então, sabendo agora que as crianças SÓ DEPENDEM DELAS MESMAS para ter boa performance, qual dos grupos foi o melhor?
O resultado foi o seguinte:
GRUPO 1 – ₪ 238,60
GRUPO 2 – ₪ 153,60
GRUPO 3 – ₪ 219,30
Esta descoberta demonstra que mesmo quando as pessoas DEPENDEM APENAS DE SEUS PRÓPRIOS ESFORÇOS para ganhar dinheiro, no momento em que elas atingem um resultado que julgam SATISFATÓRIO, elas PARAM de se esforçar. Mesmo assim, muitas empresas se iludem de que GANHOS ILIMITADOS farão os vendedores se esforçarem MAIS DO QUE O NORMAL. Agora, o fato mais curioso deste experimento foi o de que as pessoas que NÃO GANHARAM INCENTIVOS FINANCEIROS apresentaram melhor performance.
Qual a explicação?
4. Em minhas consultorias, eu explico para os clientes que quando as pessoas executam um trabalho que tem um MOTIVADOR INTERNO — como ajudar um cliente a tomar uma melhor decisão — caso seja ofertado também um MOTIVADOR EXTERNO — como ganhar dinheiro — o motivador externo se torna MAIS FORTE do que o interno, fazendo com que as pessoas fiquem MUITO MOTIVADAS e acabam tendo pior desempenho, bem como, passem a executar o trabalho APENAS PARA GANHAR O DINHEIRO e não por que o seu trabalho ajuda alguém, é prazeroso e ajuda-o a se desenvolver.
MOTIVADORES EXTERNOS MINAM O PODER DE MOTIVADORES INTERNOS.
O fato de que motivadores externos diminuem a motivação interna e consequentemente, o desempenho das pessoas em diversos tipos de tarefa, vem sendo investigado há mais de 50 anos, inclusive pelos cientistas Edward Deci e Richard Ryan, da Universidade de Rochester, considerados as maiores autoridades mundiais no estudo da motivação.
Por estes e diversos outros fatores, eu sempre indico que as empresas paguem SALÁRIOS FIXOS ALTOS para equipes de vendas, usando o valor que elas já pagariam com fixos mais comissões.Quer saber mais um motivo da minha sugestão?
Edward Deci, Richard Ryan e Luiz Gaziri na Universidade de Rochester.
5. O cientista Sendhil Mullainathan da Universidade de Chicago, realizou um estudo em que aplicou um Teste de Inteligência em agricultores, em dois momentos distintos:
1. APÓS receberem o dinheiro de uma colheita
2. PRÓXIMOS a receberem o dinheiro uma colheita
Em outras palavras, os participantes realizavam o teste quando ESTAVAM RICOS e também quando ESTAVAM POBRES. Será que as mesmas pessoas, pelo simples fato de terem ou não SEGURANÇA FINANCEIRA, teriam resultados diferentes nos testes? Foi exatamente isso que aconteceu: quando próximos a uma colheita, ou seja, QUANDO POBRES, os agricultores tinham um desempenho 25% pior no teste. Isto significa que deixar as pessoas INSEGURAS FINANCEIRAMENTE faz com que elas tenham MENOS CAPACIDADE COGNITIVA para ter bom desempenho no trabalho.
Mas isto não fará com que os vendedores fiquem na zona de conforto, já que ganham todo o seu salário independentemente de seus resultados? Mas não é assim que TODAS as outras áreas de uma empresa funcionam? As equipes do financeiro, logística, marketing, contabilidade, administrativo e demais áreas RECEBEM SALÁRIOS FIXOS e nem por isso elas não entregam resultados. Por que SÓ EM VENDAS isso deve ser diferente?
6. A última razão pela qual você deve repensar a estratégia de comissões, leva em consideração uma descoberta de um ganhador do Prêmio Nobel. Daniel Kahneman, da Princeton. Imagine que você tenha que tomar decisões nas seguintes situações:
100% de chance de ganhar $450 OU
50% de chance de ganhar $1.000
100% de chance de perder $500 OU
50% de chance de perder $1.100
Imagino que no exemplo 1, você escolheu ganhar $450, mas no exemplo 2, você preferiu arriscar e ficar com 50% de chance de perder $1.100. Veja que em ambos os casos, suas decisões foram motivadas pelo MEDO DE PERDER e não pela POSSIBILIDADE DE GANHAR. Anos de experimentos de Kahneman e seus colegas, revelam que o ser humano tem AVERSÃO À PERDA, ou seja, SOMOS MAIS MOTIVADOS A NÃO PERDER DO QUE A GANHAR. É exatamente por isso que o salário fixo é mais vantajoso do que a variável em qualquer ocasião. Na sua experiência pessoal, em qual das áreas a rotatividade de pessoas é maior: vendas ou financeiro? O MEDO DE PERDER um bom salário motiva as pessoas do financeiro a continuarem na empresa, enquanto na área de vendas, este medo SIMPLESMENTE NÃO EXISTE, fazendo com que a rotatividade nesta área seja exponencial.
REFERÊNCIAS
Ariely, D., Gneezy, U., Loewenstein, G., & Mazar, N. (2009). Large stakes and big mistakes. The Review of Economic Studies, 76(2), 451-469.
Yerkes, R. M., & Dodson, J. D. (1908). The relation of strength of stimulus to rapidity of habit-formation. Journal of Comparative Neurology, 18(5), 459-482.
Gneezy, U., & Rustichini, A. (2000). Pay enough or don’t pay at all. The Quarterly Journal of Economics, 115(3), 791-810.
Ryan, R. M., & Deci, E. L. (2020). Intrinsic and extrinsic motivation from a self-determination theory perspective: Definitions, theory, practices, and future directions. Contemporary educational psychology, 61, 101860.
Mani, A., Mullainathan, S., Shafir, E., & Zhao, J. (2013). Poverty impedes cognitive function. science, 341(6149), 976-980.Tversky, A., & Kahneman, D. (1992). Advances in prospect theory: Cumulative representation of uncertainty. Journal of Risk and uncertainty, 5, 297-323.
Meu compromisso com você é sempre entregar um conteúdo 100% ciência, 0% achismo.
Um abraço,
Luiz Gaziri
Professor de Pós-Graduação na Unicamp e FAE Business School
Autor de “A Ciência da Felicidade”, “A Incrível Ciência das Vendas” e “Os Sete Princípios da Felicidade.”